quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Heath Ledger em “Dark Knight”, filme inteiro


A ideia de caos como eixo psicológico do personagem. Ele parece precisar do caos, não poder prescindir dele. Parece se alimentar de caos puro. Gostar, sentir prazer, sentir tesão no caos. Diferente de seus colegas no filme, cujas atuações são mais burocráticas. Não confundir com o clássico fetiche por atuações de “malucos” - o papo aqui é da dimensão do humano que o ator dá ao personagem. Esse prazer pelo caos é humano, me faz pensar no ser humano, através da atuação do Ledger. O personagem é bom, mas a grande maioria dos atores teria disperdiçado em trejeitos de maluco, sem vida. O resultado é um filme desequilibrado: o Coringa é o único personagem real do filme, de carne e osso, mais próximo de nós do que qualquer mocinha ou policial - os outros atores fazem personagens de borracha, e isso, triste admitir, num elenco que inclui Gary Oldman. O Batman por exemplo deveria ser um homem verdadeiramente sombrio, com uma necessidade profunda quase doentia de combater o crime, e isso poderia falar do humano de forma muito forte e bonita. Mas o Batman de Bale, ainda que seja um ator decente e talvez o melhor a interpretar o papel até hoje, é de borracha.



Mas é importante não confundir esse elogio ao Coringa do Ledger com os fáceis elogios a interpretações de personagens “malucos”. Porque é uma coisa que faz sucesso, sempre dá prêmio: falar rápido e monocordiamente (indicando um raciocínio errático, acelerado, neurótico), fazendo gestos erráticos com os dedos e sem nunca focar muito os olhos; alternar a calma submissa e o volume baixo da voz com explosões; o caminhar pouco natural, duro, sem deixar o corpo e os braços balançarem naturalmente, apertando as mãos umas nas outras - basicamente, trazer o errático para o eixo central do personagem. Ou, em outras palavras, imitar Dustin Hofmann em Rain Man. Faça isso e ganhe um Oscar. De que outra forma um ator como Russel Crowe ganharia um Oscar? E tantos outros. Totalmente diferente de trabalhos lindos como o do próprio Dustin Hofmann, o do Heath Ledger ou o de Geoffrey Rush em Shine.
Aliás, imitar trejeito de personalidade em bio-pic também dá prêmio: Philipp Seymor Hofman em Capote, Marion Cotillard em Piaf, talvez os piores trabalhos de dois bons atores. Fazer uma voz fina insuportável de Capote ou uma voz rouca de Piaf não sustenta uma atuação, e ambas estão matizadas demais por escolhas como essas, que privilegiam a imitação. Mas dá prêmio: ambos ganharam o Oscar.
Pode-se argumentar que Oscar é um prêmio idiota, e é, mas o problema vai além do Oscar. Esses casos, tanto do personagem “maluco” quanto da imitação dos trejeitos de uma personalidade conhecida, demonstram que muitas vezes o ator é reconhecido por saber fazer um pequeno malabarismo, um truque. E que muitas outras vezes ele constrói um trabalho sólido, profundo, cheio de nuances e detalhes, mas não é reconhecido. E assim vemos muitos atores bons se viciarem em seus truques e esquecerem de se arriscar. Desistirem. Bem triste.
Um filme que problematiza tudo isso e muito mais é o JOGO DE CENA, do Coutinho. Que belo ver Marília Pêra fazendo do jeito dela a loucura da mulher que brigou com a filha, totalmente diferente dos trejeitos afetados da original. E com o cristal japonês no sutiã, porque não temos medo de admitir que é tudo mentira (mas dói, mas é mentira, mas dói...)

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